quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Tubos de Ensaio: Reflexões sobre o mercado de quadrinhos no Brasil



Estreia no blog do Doutor Poizé uma nova coluna, Tubos de Ensaio, onde o seu médico preferido irá tratar de maneira mais livre sobre temas variados. Hoje, a consulta é sobre o mercado de quadrinhos no Brasil. Ele existe? Se sim, o que fazer com ele? Quais as expectativas?
Não precisa pegar guia nem marcar horário, é só chegar.


Apesar das montanhas de dinheiro que os comics de super heróis proporcionaram à tantos empresários por todo o século XX (e XXI), existiram muitos períodos de “vacas magras” no mercado de quadrinhos dos Estados Unidos. Demissões massivas (que, as vezes, alcançavam 40% do departamento), vendas que oscilavam entre milhões de exemplares entre um mês e outro, mais da metade das lojas de HQs quebrando no intervalo de um semestre (todas essas informações podem ser conferidas detalhadamente em livros como A História Secreta da Marvel Comics).

Isso não é privilégio específico da indústria de quadrinhos. Contudo, estamos falando do que talvez seja o mais rentável mercado de HQs do mundo (falo aqui de orelhada, pois não comparei com os números de mercados como o japonês, por exemplo – onde revistas tipo Shonen Jump já venderam mais que o New York Times).

Todas essas indagações me levaram a pensar sobre o incipiente mercado de quadrinhos no Brasil – que talvez poderíamos chamar mais de “cena” que de “mercado”. Por mais que tenhamos evoluído em diversos aspectos da escala da produção e distribuição das revistas (passando pelo acabamento gráfico, o investimento de editoras em artistas nacionais, até o crescimento de profissionais publicando trabalhos), acredito que estamos ainda muito longe de consolidar uma indústria rentável e autossuficiente.

A grande maioria daqueles que trabalham com quadrinhos ainda não conseguem sobreviver dessa atividade. Ainda são poucas editoras investindo no gênero. Temos poucos roteiristas, e quase sempre os desenhistas é quem escrevem suas histórias. Existem poucas séries em andamento. Estes são alguns exemplos de questões que afligem nosso precário mercado de HQs brazuca.

E o caso Maurício de Souza? Bem, reza a lenda que ele vive mais do merchandising e licenciamento dos personagens do que dos gibis (se for verdade, não sei se essa premissa está atualizada, dado o fato de que sua linha da Turma da Mônica Jovem vendeu bastante, sem contar as Graphics MSP). De todo modo, o caso do criador da Mônica é mais exceção que regra por aqui.

A meu ver, um investimento maciço na produção nacional deveria ter sido feito há muito tempo. Isso talvez não teria apenas tirado o mercado de quadrinhos brasileiro do caminho da estagnação, como poderia ter criado no país uma cultura de se ler e consumir gibis, um hábito que seria passado de geração para geração, como acontece em diversos países. Isso poderia ter sido feito há algumas décadas, quando as vendas de HQs por aqui alcançavam cifras bem altas, na casa das centenas de milhares. Contudo, a maioria dos autores – a despeito de serem talentos notáveis, como Watson Portela ou Júlio Shimamoto – publicava como podiam, com um apreço editorial que muitas vezes ficava bem aquém da grande qualidade do trabalho.

Quando uma mídia deixa de fazer parte das experiências comuns de uma sociedade, torna-se bem complicado depois cativar um público para consumi-la. Eu particularmente fiquei muito chocado em dada ocasião, quando mostrei a um amigo certa HQ que tinha acabado de publicar. Ao folhear a revista, ele (que é mestre em letras, e atualmente é doutorando), me questionou: “mas como funciona, lê-se assim mesmo, da esquerda pra direita”?

Não sei se esse amigo estava querendo bancar o dramático, mas episódios como esse, em um grau menor de desinformação talvez, acontecem vez ou outra. E não me refiro só a desententimentos como “o Superman é da Marvel ou da DC?”, e sim questões relativas à mídia dos quadrinhos. Algo mais próximo da famigerada questão: “quadrinhos são coisa pra criança?”.

Enfim, não sei se assumi o tom certo com esse ensaio, que pode parecer um lamento sobre as chances desperdiçadas para se sedimentar um verdadeiro mercado de quadrinhos no Brasil. A meu ver, com boa vontade dos editores, isso poderia sim ter sido feito, ter fomentado carreiras, criado gerações de leitores e autores, e um hábito de consumo de HQs.

Contudo, otimista que sou, acho que, mesmo tardiamente, é possível investir nessa ideia. E temos dado passos largos nesse sentido. Na verdade, diante de tantos autores publicando trabalhos de altíssimo nível, arrisco dizer que possivelmente nunca demos tantos passos nesse sentido. Mas isso é assunto para outro post. 



Um comentário:

  1. Bom Dia Dr.!!!(Me senti numa consulta, isso foi esquisito, kkk)

    Vi seu texto no blog Ponto Zero e o que mais me chamou a atenção foi sua reflexão.
    Eu e mais dois amigos temos um projeto de escrever uma HQ, mas nada nos padrões Brasileiros(quadrinhos é para criança, é piadinhas, sátiras blá blá blá). Estamos com a ideia de fazer uma trama similar ao que o Japão nos vende: historias para reflexão, coisa mais densa, só que ilustrada!
    De começo, pensamos em ser independentes, mas para tanto, só recorrendo as ferramentas digitais, pois os custos de produção impressa são absurdamente fora de alcance de um grupo de amadores iniciantes..

    O que mais me preocupa ainda não é nem tanto o fato de algumas pessoas não saberem como lê, qual o publico alvo, etc. O que me deixa um pouco receoso é que, como em diversos outros setores, o brasileiro está acostumado a valorizar o de fora, sem nem dar chances aos seus artistas conterrâneos.

    Mas um característica dividimos: sou otimista, e como nosso projeto é mais para prazer do que para Lucros(mas se o dinheiro vier, será bem vindo kkkkk), espero ver esse cenário mudar

    Obrigado por dividir essa opinião conosco

    Luís Fernando
    Muito Além das Aspas
    http://muitoalemdasaspas.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir