quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

No Estetoscópio - A Skin Too Few (documentário sobre Nick Drake, 2002)


O documentário A Skin To Few foi traduzido como “uma pele a menos”. Mas, se tratando de uma obra dedicada ao compositor britânico Nick Drake, me pareceria mais adequado aludir à ideia de uma pele fina, curta, talvez escassa. Ainda sobre o nome do filme, vale dizer que, diferente de vários documentários de músicos e poetas – onde os títulos remetem a alguma frase ou imagem típica da obra do documentado – essa metáfora da pele vem de um poema de Molly Drake, mãe de Nick, sobre seu filho (spoiler não comprometedor: é o momento que fecha o documentário, e pode fazer chorar as almas mais sensíveis).


A relação familiar de Nick é essencial para o documentário, uma vez que, aparentemente, não há muito mais a se dizer sobre ele. Seu legado documentado é o sonho de muitos artistas mais arredios, da estirpe de um Salinger: Nick Drake existe como uma voz poética, existe dentro de suas músicas. O vazio em torno de Drake está para o folk inglês assim como Robert Johnson está para o blues americano. A falta de registros em vídeo, a escassez de fotos e entrevistas, tudo isso acaba inevitavelmente colocando a obra nos holofotes. A pessoa por detrás não passa de uma imensa lacuna. Há algumas poucas correspondências, e só.

Assim, o documentário resgata as vozes dos familiares de Nick, entrevistas com os seus pais, e, principalmente, sua irmã Gabrielle Drake, cuja presença e dicção revelam-se imprevisivelmente magnéticas. Podemos reconhecer nela a mesma beleza do falecido irmão, e, a partir de sua presença, deduzir e imaginar muito da sagacidade, inteligência e charme que Drake deveria ter.

Da mesma forma, quando Gabrielle toca uma fita cassete de sua mãe Molly tocando piano, reconhecemos muito da lírica e das harmonias que fariam Nick soar tão original. Por todos esses depoimentos e recordações familiares, podemos, em algum nível talvez inconsciente, montar uma ínfima parte do quebra cabeça que é Nick Drake. Ele é lacunar, e não apenas por sua morte precoce, mas também por seu silêncio.


Gabrielle conta que chegou a morar com o irmão em Londres durante um tempo, e, certo dia, ele simplesmente entra no quarto da irmã, e mostra a ela a capa do disco que gravou. Ao longo do filme, é possível deduzir que os discos de Nick representam seu projeto de vida, o sentido de suas ações. Contudo, ao apresentar o resultado disso para a irmã, ele simplesmente diz “aqui está”. E ela, que desconhecia completamente que o irmão gravava um disco, fica entre pasma e deslumbrada.

Os três discos que Nick lança em vida seguem um pouco da instrumentação e do clima folk da época, com muitos instrumentos barrocos, cordas, bateria e baixo em alguns momentos. Mas o clima soturno atemporal, marca registrada de suas canções, acaba acentuado pelos produtores. Foi interessante perceber que o produtor dos discos de Drake é Joe Boyd, que também produziu o Pink Floyd nos seus primeiros dias. Antes de ter contato com Nick, Boyd já teve que lidar com outro compositor amargurado e auto-destrutivo, Syd Barrett. Ainda assim, ele reconhece que não teve o devido tato para aconselhar e dizer algo positivo para o autor de Pink Moon.

Ao que parece, Nick se distanciou demais do mundo real, das pessoas ao seu redor, e passou a conviver exclusivamente com as vozes em sua cabeça, a viver dentro de sua arte. Os relatos de conhecidos nos mostram alguém distante, solitário, que era flagrado as vezes olhando para a parede, ou tocando o mesmo acorde no violão por horas a fio. Uma tentativa de turnê acabou se tornando um desastre total. Nick parecia incapaz de gerenciar a própria vida, e de cumprir com as demandas e a agenda que uma vida concreta exigem.

Outro momento arrepiante é quando sua irmã compartilha uma das falas de Nick, pouco antes de morrer, onde ele se lamentava sobre o desejo de querer que sua obra alcançasse pessoas que realmente precisavam de alento. Em parte, sua tristeza vinha do fato de que seus discos pareciam estagnados, e ele não encontrava forças para ser o divulgador que sua obra merecia. Apenas sua morte precoce - e o mito que foi erigido a seu redor - foram capazes de fazer circular seu trabalho. Hoje em dia, ele é reconhecido como um dos grandes compositores do séc. XX, e seus três discos costumam ser incluídos nas listas de melhores de todos os tempos de revistas como Rolling Stone e TIME.

Diagnóstico: A Skin Too Few é um belo retrato de uma alma desconhecida, que podemos captar através de ecos, mas nunca ouvir diretamente. O que chega a nós é pura poesia, as vezes melancólica, mas sempre arrebatadora e sublime. A obra evita o tom meramente documental, jornalístico, optando por uma dicção poética. Assim, o que o filme perde em aspectos históricos e cronológicos, ganha em beleza. Tal opção do diretor Jeroen Berkvens é totalmente fiel à vida e obra de Drake. O fim do filme, com o já citado poema de sua mãe, seguido de uma tomada bucólica das árvores vistas de cima (ao som da balada Northern Sky) é um assombro de beleza.



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