quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

No Consultório: Privilégios (2012) e Teto Quadro Chão (2015), de Gus Morais


Depois de um pequeno período de férias (na verdade, várias viagens, compromissos e percalços), o DOUTOR POIZÉ retorna a seu consultório para iniciar as consultas de 2016. Para marcar essa retomada, segue uma consulta dupla, com dois trabalhos de um mesmo artista. Trata-se das HQs Privilégios e Outras Histórias e Teto Quadro Chão, do autor paulista Gus Morais.

O elo que une as duas publicações, além de serem do mesmo autor, é o fato de que são publicações independentes, com histórias curtas, e que coleta o material publicado no seu blog gusmorais.com. (PEOH cobre as publicações de 2010/2012 e TQC as de 2012/2015).

Ler os dois trabalhos é uma oportunidade interessante de acompanhar o desenvolvimento da abordagem artística de Gus, além da maturidade e do domínio do ofício que vai se revelando ao longo da sua trajetória. Fica bem nítido o desenrolar de um processo criativo e das tomadas de decisões que o levam em direção a uma assinatura autoral.

No princípio, tudo era caos, no melhor dos sentidos: Privilégios... experimenta diversas saídas gráficas, diferentes traços, paletas de cores, temáticas. Já Teto Quadro Chão, mesmo ainda distante do que podemos chamar de “estilo próprio”, apresenta um foco mais preciso.


Na verdade, entre a variação e o foco, existe algo que seja certo ou errado? Se pensarmos de maneira geral, tanto quem elabora um trabalho mais eclético quanto quem tem um foco mais delimitado perde e ganha em alguma medida. Os jovens artistas costumam ousar mais, mas em determinado momento existe uma expectativa de que a escolha seja feita. Há o tempo das descobertas e o tempo das das singularidades. Existiria um prazo para cada um deles?

E será que é mesmo necessário escolher? Lembro aqui a letra de um antigo hit do Rush, Freewill: “não escolher pode ser uma escolha”. Ao que parece, Gus Morais tem deliberadamente adiado o derradeiro momento da singularidade, sem que isso comprometa seu trabalho. Na verdade, é muito interessante ver como ele passeia entre diferentes técnicas e abordagens. Por um lado, o artista ganha com o acúmulo de experiências que vem da falta de uma zona de conforto; e, por outro, o público leitor se mantém surpreendido.

Boa parte das histórias de Gus lidam com uma matéria prima simbólica, funcionando como se fossem metáforas psicológicas de vários fenômenos familiares da vida. Histórias como “Consumido” ou “99% das Coisas do Mundo” funcionam nessa sintonia, e me lembrou um pouco as alegorias de obras como The Wall: a cena em que os estudantes caem na máquina de moer carne poderiam figurar tranquilamente nas duas HQs resenhadas nessa consulta.

Gus assume um tom de crítica à dinâmica da sociedade, ao modus operandi do sistema; contudo, a forma do discurso que ele adota é quase sempre poético. O roteiro das suas histórias é precioso, repleto de insights fantásticos e muito peculiares. Mesmo quando não há texto (e há diversos trechos mudos, onde a ação é apenas gráfica), o senso de narrativa e o sentido dos acontecimentos são bastante elaborados.

E a parte gráfica funciona muito bem, passa o recado, sem virtuosismos ou excessos. As cores assumem um papel bem importante na maior parte das histórias, mesmo aquelas que apresentam paletas bem sintéticas. Em Privilégios, o traço de Gus é mais limpo e mais primário, enquanto que Teto Quadro Chão tem uma pegada mais suja, mais sofisticada e intensa.


Gus é um autor que pensa os quadrinhos de maneira integral. Desde o roteiro, passando por todos os aspectos gráficos, como o layout das páginas, o estilo do traço, a diagramação, o uso das fontes... Diante dos resultados, fica evidente a imensa reflexão que se operou antes mesmo do trabalho começar. E o resultado é poesia gráfica, uma dança onde texto, conceito e arte criam um sentido outro, sempre instigante.

Quanto a cada uma das histórias, a riqueza das abordagens e a vastidão dos temas torna complicado a tarefa de dissertar sobre uma a uma. A resenha ficaria um bocado grande. Mas tomo a liberdade de citar uma das histórias, chamada Privilégios - que obviamente batiza o primeiro volume (e o encerra). Ela é digna de nota por seu conteúdo extremamente pessoal, e que só não emocionará aos leitores cujo coração já estiver um tanto quanto petrificado.

Diagnóstico: Nesses dois trabalhos de Gus Morais, o leitor certamente encontrará material de alto nível, com uma sensível e singular visão de mundo. Através das metáforas críticas e poéticas do autor, compartilhadas conosco no suporte dos quadrinhos, nós talvez não retornemos a enxergar as coisas da mesma maneira de antes. Desses benefícios que a arte sincera e inspirada nos traz.


quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Tubos de Ensaio: Reflexões sobre o mercado de quadrinhos no Brasil



Estreia no blog do Doutor Poizé uma nova coluna, Tubos de Ensaio, onde o seu médico preferido irá tratar de maneira mais livre sobre temas variados. Hoje, a consulta é sobre o mercado de quadrinhos no Brasil. Ele existe? Se sim, o que fazer com ele? Quais as expectativas?
Não precisa pegar guia nem marcar horário, é só chegar.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

No Estetoscópio: Beatles#1 (o novo DVD e Bluray com clipes do fab four – 2015)



Tudo bem que os Beatles eram ótimos no que se propunham. Mas, de gente boa, a história do pop está cheia. Poucos, porém, podem se gabar de serem as pessoas certas, e estarem no local e na hora certa. Talvez o principal ingrediente responsável por fazer deles a maior banda de todos os tempos tenha sido mesmo o fato de terem surgido num piscar de olhos do tempo.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

No Estetoscópio - A Skin Too Few (documentário sobre Nick Drake, 2002)


O documentário A Skin To Few foi traduzido como “uma pele a menos”. Mas, se tratando de uma obra dedicada ao compositor britânico Nick Drake, me pareceria mais adequado aludir à ideia de uma pele fina, curta, talvez escassa. Ainda sobre o nome do filme, vale dizer que, diferente de vários documentários de músicos e poetas – onde os títulos remetem a alguma frase ou imagem típica da obra do documentado – essa metáfora da pele vem de um poema de Molly Drake, mãe de Nick, sobre seu filho (spoiler não comprometedor: é o momento que fecha o documentário, e pode fazer chorar as almas mais sensíveis).

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

No Estetoscópio: Roger Waters The Wall (2015)


Estou ainda absorvendo o impacto de assistir a recriação de The Wall feita por idealizador e, praticamente, o criador maior da criatura, senhor Roger Waters. De fato, essa nova versão do espetáculo surpreenderá o espectador desavisado, que acredita que o ex-Pink Floyd apenas atualizou a obra de 1979 com recursos do presente. A resposta é: sim, e não. 

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

No Consultório: Skazki (de Fabiano Barroso e Piero Bagnariol, 2015).



De acordo com os próprios autores, Skazki é um zine – pelo menos é a informação que fisguei no blog da Graffiti 76% Quadrinhos. Para quem não sabe, a Graffiti foi uma das mais importantes revistas nacionais, responsável por revelar e divulgar diversos autores independentes. Foram 23 edições, de 1995 a 2012, até que os editores resolvessem partir para novas empreitadas.