Tudo bem
que os Beatles eram ótimos no que se
propunham. Mas, de gente boa, a história do pop está cheia. Poucos, porém,
podem se gabar de serem as pessoas certas, e estarem no local e na hora certa. Talvez
o principal ingrediente responsável por fazer deles a maior banda de todos os
tempos tenha sido mesmo o fato de terem surgido num piscar de olhos do tempo.
Eles
despontaram entre a 2ª Guerra e a Guerra Fria. Entre os filmes preto-e-brancos
e os coloridos. Entre o engatinhar da indústria musical e a era dos popstars. Antes deles, havia a luta pela
sobrevivência e um conservadorismo cujo foco era fortalecer as instituições
tradicionais – estado, família, igreja, etc. Depois, houve o boom da sociedade de consumo do
pós-guerra, vendendo sonhos (entretenimento, na verdade), revendo valores
morais rígidos, se divertindo, e gastando muito.
Ao longo
dos vários clipes contidos nesse DVD, podemos acompanhar como eles lidaram com o
fato de estarem espremidos entre duas eras de valores tão diferentes. Na
primeira fase da banda, chamada de ie-ie-ie (devido a esse grito de guerra
estar presente em diversas das músicas), é ótimo ver os rapazes se divertindo,
fazendo troça de tudo e de todos.
A banda
parece muito à vontade, muito coesa, unida. Os quatro rapazes, com o mesmo
penteado e roupa, rindo uns para os outros, funcionando como um único organismo.
O auge é o clipe de We Can Work It Out,
onde John Lennon finge tocar um orgão, e a partitura é a foto de um palhaço
fazendo careta. Paul McCartney, que segura o riso ao longo de todo o clipe, não aguenta
quando, no fim, Lennon passa o pé nas teclas, escancarando a óbvia dublagem.
O único
parâmetro que eles tinham do star system eram
os filmes de Elvis Presley. Não havia ainda esse culto ostensivo à celebridade,
o frisson exagerado, os videoclipes, as turnês mundiais, a necessidade de
vender polêmicas para se manter vivo no showbusiness.
Não houve ninguém para dizer aos quatro meninos ingênuos de Liverpool que eles
deveriam se levar a sério. Claro que seria um conselho inútil para
aquelas almas tão jovens e insubordinadas.
Quando a fase psicodélica se anuncia, as risadas e o escárnio são substituídos por uma pose meio blasé - ainda que, pouco antes dos cortes da câmera, seja possível flagrar risadinhas por trás dos bigodes. Por fim, já no final, clipes como Get Back revelam a banda já trincada. Parte deles estava entediada com essa história de fama e de mitificação – Lennon iria destruir o mito beatle pouco tempo depois com sua música God, e George Harrison nas últimas imagens era a encarnação do enfado. Do outro lado, estavam Paul McCartney, com seu ímpeto de liderança e seu gozo pelo aplauso, e Ringo Starr, o soldado eternamente fiel.
A
maioria desses clipes são velhos conhecidos, apresentados ao longo dos anos em
programas de TV, documentários, e mesmo no you tube. A diferença está na
textura em HD, na restauração da imagem e do som, no tratamento de alta
qualidade em que eles agora são embalados. Ainda assim, há algumas novidades,
como a mistura de Within You Without You
com Tomorrow Never Knows (extraída do
CD Love, lançado como trilha do Cirque Du Soleil em 2006, que acabou
ganhando um clipe psicodélico bem legal).
Diagnóstico: Beatles#1 é uma ótima maneira de imergir no legado da maior e mais
premiada banda da história, e entender o que representou seu surgimento em uma
esquina temporal, localizada na curva de duas eras. Naquele ponto do espaço e
do tempo, o vocabulário da música pop foi, enfim, lapidado.
Pena que
esse DVD e Bluray, mesmo sendo duplo, não caiba mais canções do grupo, cuja
parcela relevante do seu repertório integral é enorme (difícil é escolher quais
as músicas fracas nos seus oito anos de existência).
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